Pare de guardar

Cena do filme Para todos os garotos que já amei. Netflix, 2018

Esses dias, enquanto arrumava meu quarto, encontrei uma caixa de sabonetes que ganhei de presente nas festas de fim de ano de 2023. Muitíssimo chique, daquela marca cara que é queridinha que começa com P, mas tem som de F, a caixa estava com os sabonetes pela metade. Pelo tamanho reduzido, aproveitei pra usar alguns em viagens, mas ainda restavam três.
 
Nunca usei os sabonetes para além das viagens por ter "pena" de gastá-los. "São pequenos para o dia a dia, não vai durar uma semana", pensei eu, deixando-os na caixa, escondida no fundo da penteadeira. Enquanto olhava a validade, que já estava próxima, lembrei de uma conversa também recente: uma amiga ganhou toalhas bordadas, personalizadas e muitíssimo bonitas. Com pena de usar, guardou-as. Em uma faxina no guarda-roupa, encontrou as tais toalhas lindas e bordadas agora amareladas pela falta de uso.
 
Porque nós temos essa mania de guardar coisas? Seja por pena de usar, seja na esperança de emagrecer e caber de novo naquela roupa, um perfume ou um cosmético que, por ter sido caro demais e raramente usado, um sapato que é lindo e confortável, mas que talvez seja arrumado demais pra qualquer ocasião.
 
Mas sabonetes vencem. Toalhas amarelam, roupas param de caber, sapatos esfarelam se não forem usados. Até os vinhos, feitos para serem envelhecidos e quanto mais antigos, melhores, podem avinagrar se passar do ponto. As coisas vencem. E sentimentos também. 
 
Quantos de nós guardamos mágoas de pessoas que às vezes nem se lembram a razão de nos terem magoado — e, a depender, elas sequer sabem. Quantos são os sentimentos que ainda nos habitam, remoídos dia após a dia, numa lembrança que corrói? Uma palavra dura, uma ação, um silêncio, uma traição, um desentendimento.
 
Essa não é uma tentativa de diminuir nada e muito menos de passar pano para as pessoas que nos magoam e nos agridem. Mas o tempo passa. E quando o tempo passa, é suposto que leve com ele a validade das coisas, o tempo leva consigo a nossa validade, também. Todos os dias pessoas envelhecem, todos os dias pessoas morrem.
 
E todos os dias pessoas deixam para trás sabonetes que nunca usaram por pena, toalhas amareladas no armário, perfumes caros quase cheios, sapatos novos usados poucas vezes. E todas as coisas, todas essas matérias, serão usadas, doadas, vendidas ou jogadas fora. Não importa o cuidado, carinho e atenção dadas todos os dias. Na ausência daquele que um dia foi dono, as coisas são só.... coisas.
 
Tirei os sabonetes da caixa e coloquei no armário do banheiro, um inclusive já está acabando. Use seu perfume caro, doe a roupa que não cabe mais, lave as toalhas encardidas e use-as. Calce o sapato caro e cheio de brilho mesmo que a ocasião seja só um barzinho. Porque as coisas acabam e nós também. O tempo passa e nós também. E as mágoas devem passar, também. Porque perdão é, muitas vezes, sobre o bem que nos faz ao oferecê-lo e não necessariamente ao bem do outro que o recebe. 
 
Pare de guardar.
Pare de guardar antes que seja tarde e todas as suas expectativas se resumam a arrependimento. 
 
Se eu tivesse usado, não teria vencido. Se eu tivesse usado, não teria esfarelado. Se eu tivesse perdoado, se eu tivesse ligado, se eu tivesse dito, se eu tivesse feito.
 
Pare de guardar para que não haja um "se".

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