Emília Perez e a imagem que vende

Divulgação Emilia Perez
 
Atores não nativos, interpretando personagens estereotipados, alguns deles mal falando o idioma direito e contando uma história sem aprofundamento. Eu poderia estar falando do filme Emília Perez, que conta a história mexicana, dirigido por um francês, mas que não conta com pessoas mexicanas na produção do filme, porém não é esse caso. A descrição acima, tão discutida após o filme ter ganhado tantos prêmios, não te soa familiar?
 
Se você é uma pessoa nordestina, quantas vezes precisou explicar coisas básicas e óbvias sobre si mesma? Explicar que você não mora numa casa de taipa, que não tem parentesco com Lampião, que Aracaju não fica perto de Fortaleza, que não dá pra conhecer o primo da vizinha de fulana que mora no Maranhão, porque o Nordeste não são nove ruas e sim nove estados.
 
O caso Emília Perez trouxe a tona uma discussão que os nordestinos tentam levantar desde que a internet é a internet.
 
Dizer que não moro numa casa de taipa não significa que pessoas não morem em lugares assim, apenas reforça que nem todas as pessoas vivem essa experiência. Um filtro sépia não condiz com a realidade do Nordeste, por mais calor que seja. Nem todos nós dizemos bordões o tempo todo, nem todos nós moram na roça ou a beira da praia e nem todos nós vivem em condições precárias.
 
Pensar em Nordeste é pensar em pluralidade. É, no mínimo, ridícula a ideia de que nove estados, sendo 1.794 municípios, tenham a mesma história, a mesma vivência, o mesmo sotaque e a mesma família. Querer que estes espaços e essas pessoas sejam reduzidas aquilo que se foi criado sobre elas não é só errado, mas desrespeitoso.
 
O incômodo dos mexicanos ao ver latinos de outros países e estadunidenses interpretando pessoas mexicanas sem cuidado nenhum é o nosso incômodo ao ver sudestinos e sulistas viverem aquilo que eles pensam que é Nordeste. "Não encontramos mexicanos para esse filme", disse alguém da produção. Também disseram que após indisponibilidade de Lázaro Ramos e Taís Araújo, não encontraram pessoas negras para viverem personagens em Segundo Sol (2018), ambientada na Bahia, o lugar mais negro fora do continente africano e, ainda assim, com um elenco majoritariamente branco.
 
Obras como Capitães de Areia, de Jorge Amado, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, Vidas Secas de Graciliano Ramos e tantas outras obras aclamadas que contam a vida do sertanejo são incríveis, mas elas são recortes de espaço e, principalmente, de tempo. Pessoas como as personagens dos livros citados existiram e existem, mas não elas não são as únicas. Quando obras como essas são as únicas referências tidas daquilo que é Nordeste, cai-se naquilo que Chimamanda Ngozi Adichie chama de História Única.
 
Não vi o filme Emília Perez e a cada nova cena que vejo na internet, menos vontade tenho de ver. Para ter uma experiência completa do que é México e das histórias que pessoas mexicanas querem contar, o primeiro passo é buscar por artistas, escritores e obras feitas por e para mexicanos. Parece óbvio, mas é o que mexicanos e latinos num geral estão tendo que dizer na internet, dia a dia, para garantir que pessoas fora das Américas não caiam no conto mal contado e xenofóbico que é o filme.
 
Parece óbvio porque é óbvio.
Nós nordestinos estamos dizendo isso sobre nós há tempo demais.
 
Quer saber sobre Nordeste, leia Nordeste, visite Nordeste. Citando o artista Sergival sergipano, 
 
Por isso eu digo para o povo brasileiro
Antes de ir pro estrangeiro
Visitar outra nação
Venha pra cá conhecer nossa sergipanidade.

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