Auto-ódio, distorção de imagem e o desconforto constante em ser mulher

Foto: Harriet Evans - I'm Tired Project / Tradução: Estou cansada

Como mulher, sempre me senti desconfortável com o meu próprio corpo.

Crescendo, era como se houvesse uma expectativa geral para quando eu “desabrocharia”; era chamada de mocinha muito antes dos dez anos, ganhei sutiãs antes mesmo de ter seios. O corpo esticou e a mente, que ainda era infantil, se viu confusa e obrigada a não mais se divertir como antes, ou ao menos não na frente dos outros, deixando bonecas e brinquedos de lado porque já era “grande”.

Mas eu só tinha doze anos.

Foi mais ou menos nessa época, também, que eu fui apresentada a disforia. Crescendo no início dos anos 2000, onde a magreza excessiva era vangloriada e a barriga negativa era almejada, lembro de já odiar a barriga aos 15 anos, mesmo que essa fosse inexistente. E ela se tornaria a minha maior inimiga desde então, buscando roupas folgadas, calças acinturadas e sobreposições para esconder o que era natural e normal para uma pessoa da minha idade.

Beirando os 30 anos, engordei oito quilos desde o final de 2022, após anos vestindo o mesmo número. Me vi aposentando roupas que tinha desde os 25 ou antes e é horrível como isso me assombra. O auto-ódio veio numa crescente que nunca viera antes e não só voltei ao desconforto da adolescência, usando roupas cada vez maiores do que eu para esconder o corpo, como também me vi numa espiral de culpabilização e ansiedade, entrando em completo surto após comer coisas simples e até pensando seriamente em ações que, obviamente, resultariam em transtornos alimentares.

Ao mesmo tempo que isso é a realidade da grande maioria de nós, mulheres, que crescemos de forma mais ou menos igual, aprendendo que a comida é nossa inimiga e que se não somos magras, não temos valor, é bizarro pensar que isso me acometeu e o ódio de mim mesma cresceu tanto, visto que eu tenho um corpo comum. Ter saído do 38 para o 42 é realmente a big deal like that ou essa indústria que cresce cada vez mais inventando defeitos e vendendo soluções somando ao fato de que mulheres crescem e aprendem não só a odiarem a si mesmas como criticarem as demais, o tempo todo, por não se encaixarem em padrões altos demais?

Parece meio ridículo escrever um textão desse ciente de que, mesmo após oito quilos a mais, eu ainda encontro roupas em lojas comuns e não me vejo sofrendo uma série de problemáticas e gordofobia como pessoas que usam +46. Essa não é uma tentativa de invalidar essas vivências e muito menos as minhas, mas não é bizarro pensar que não importa o nosso tamanho, somos todas colocadas nessa caixa de corpo perfeito e peso ideal, mesmo cientes de que comida é, de longe, o fator mais irrelevante para isso?

Certa vez, conversando com uma amiga, ela trouxe o seguinte desabafo: eu penso muito se um dia vou me sentir confortável com meu corpo.

E isso tudo é uma grande merda.

Silenciando às vozes da minha cabeça, comprei um vestido com decote nas costas e usei para ir ao cinema. Desconfortável e ciente de que todas as pessoas iriam notar os defeitos que o vestido expunha, enquanto esperava na fila, me coloquei a observar outras mulheres (coisa que se tornara comum após me sentir cada vez mais desconfortável comigo mesma: a busca pelo olhar para ver se era só eu nessa neura). E então me dei conta que, num shopping cheio demais pela chegada das férias escolares, todas as mulheres pareciam não dar a mínima - fosse para o meu vestido e o decote que me assombrava, fosse para si mesmas. Corpos de diferentes formas, roupas das minhas variadas, cores vivas ou não, silhuetas expostas ou não, todas elas pareciam confortáveis consigo mesmas.

De forma silenciosa e sem perceberem, essas mulheres me ensinaram uma lição valiosa: a insegurança colocada em nossas cabeças, muitas vezes, habitam apenas as nossas mentes. Todos os defeitos encontrados em mim mesma eram totalmente ignorados pelas outras pessoas porque elas não davam a mínima. Ao colocar os pés na rua, pode ser que uma pessoa ou outra te encare, como eu fiz com algumas dessas mulheres e pode ser também que uma ou outra inconveniente te diga algo totalmente desnecessário - mas isso diz muito mais sobre ela do que sobre nós.

Afinal, quem é essa pessoa e por que a opinião dela importa?

É viver ciente da máxima que é: não espere o amor dos outros se você não se amar primeiro. E se for difícil amar o que enxerga no espelho, é sempre bom lembrar do que Rihanna nos disse certa vez: finja. Finja até que seja verdade.

O mundo já é desconfortável e cruel demais por uma série de razões, principalmente para nós mulheres. E se ver desconfortável dentro do próprio corpo só deixa tudo pior.

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