Resenha #43 — 'Hibisco Roxo'; Chimamanda Ngozi Adichie

Quem me conhece ou acompanha o blog Apenas Fugindo, sabe que sou grande fã da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, tanto que algumas obras dela já apareceram por aqui! Começamos 2020 com resenha desse livro que, por muito tempo, foi só um desejado no skoob e – finalmente! – tornou-se um lido de 2019. Estamos falando de “Hibisco Roxo”. Vamos de resenha? 

Hibisco Roxo Chimamanda Ngozi Adichie
Título: Hibisco Roxo (Purple Hibiscus) 
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie   
Tradução: Júlia Romeu 
Páginas: 324 páginas
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Protagonista e narradora de Hibisco roxo, a adolescente Kambili mostra como a religiosidade extremamente “branca” e católica de seu pai, Eugene, famoso industrial nigeriano, inferniza e destrói lentamente a vida de toda a família. O pavor de Eugene às tradições primitivas do povo nigeriano é tamanho que ele chega a rejeitar o pai, contador de histórias encantador, e a irmã, professora universitária esclarecida, temendo o inferno. Mas, apesar de sua clara violência e opressão, Eugene é benfeitor dos pobres e, estranhamente, apoia o jornal mais progressista do país. Durante uma temporada na casa de sua tia, Kambili acaba se apaixonando por um padre que é obrigado a deixar a Nigéria, por falta de segurança e de perspectiva de futuro. Enquanto narra as aventuras e desventuras de Kambili e de sua família, o romance que mistura autobiografia e ficção, também apresenta um retrato contundente e original da Nigéria atual, traçando de forma sensível e surpreendente, um panorama social, político e religioso, mostrando os remanescentes invasivos da colonização tanto no próprio país, como, certamente, também no resto do continente.

Hibisco Roxo Chimamanda Ngozi Adichie

Kambili é uma adolescente com responsabilidades demais para a sua idade. Filha de um grande empresário e líder religioso pelo seu exemplo familiar, Eugene é autoritário e priva seus filhos e esposa de uma vida com individualidade; as regras católicas e rotinas rígidas e inquebráveis são parte da vida de Kambili, Jaja (seu irmão) e de sua mãe.

Eugene é um marido e um pai abusador. Ao confiar cegamente nos dogmas do catolicismo, o patriarca condena toda e qualquer pessoa que pratique uma religião diferente da sua. Sua alienação chega ao nível de negar o próprio pai que ainda segue rituais tradicionais nigerianos, considerados pagãos pela igreja católica.


Sendo ainda muito nova, no início da pré-adolescência, Kambili acredita que seu pai é um bom homem, que apenas segue os preceitos de Deus, que faz tudo aquilo para manter a paz e a ordem em casa. No fundo, porém, a garota percebe que algo de errado; sua vida monótona não é vivida por si, mas por um fantasma guiado pelas listas de tarefas infinitas de seu pai. Diversas foram as vezes que sua mãe engravidou, mas a gestação foi interrompida pois “foi vontade de Deus”. Kambili, porém, acredita que a morte de seus irmãos ainda no ventre tenha a ver com os constantes barulhos no quarto de seus pais e que, no dia seguinte, resultam em olhos roxos no belo rosto de sua mãe.
- Está com cólica, abia?
- Estou. E meu estômago está vazio também.
Mama olhou para o relógio de parede, presente de uma instituição de caridade para a qual Papa fizera uma doação. Era um relógio oval com o nome de Papa escrito com letras douradas. Eram 7h37. O jejum da Eucaristia exige que os fiéis não comam nada sólido uma hora antes da missa. Nunca quebrávamos o jejum da Eucaristia; a mesa do café já estava posta, com xícaras e tigelas de cereal colocadas lado a lado, mas só comeríamos quando voltássemos para casa.
- Como alguns flocos milho, rápido – disse Mama, quase sussurrando. – Vai precisar colocar alguma coisa no estômago para segurar o Panadol.
Jaja pegou a caixa de papelão que havia em cima da mesa, colocou um pouco de cereal numa tigela, juntou leite em pó e açúcar usando uma colher de chá e acrescentou água. A tigela de vidro era transparente e eu vi as bolhas que o leite fez ao se misturar com a água pelo fundo dela.
- Papa está recebendo algumas visitas, nós vamos escutar quando ele subir. – disse ele.
Comecei a engolir o cereal, de pé mesmo. Mama me deu as cápsulas de Panadol, ainda envoltas em papel laminado, que fez ruído ao ser rasgado. Jaja não colocara muito cereal na tigela, e eu já estava quase terminando de comer quando a porta se abriu e Papa entrou na sala.
[...]
- O que você está fazendo, Kambili?
Engoli em seco.
- Eu... eu...
- Está comendo dez minutos antes da missa? Dez minutos?
- Ela ficou menstruada e está com cólica... – explicou Mama.
Jaja a interrompeu.
- Fui eu que mandei Kambili comer antes de tomar Panadol, Papa. Eu preparei o cereal para ela.
- Será que o demônio pediu para você fazer o trabalho dele? – disse Papa, com as palavras em igbo saindo de sua boca numa torrente. – Será que o demônio aromou uma tenda dentro da minha casa?

[...] Ele bateu em Jaja primeiro, no ombro. Mama ergueu as mãos e recebeu um golpe na parte superior do braço, que estava coberta pela manga bufante de lantejoulas da blusa que ela usava para ir à igreja. Larguei a tigela sobre a mesa um segundo antes de o cinto me atingir nas costas. 

Durante sua estadia com sua tia, Ifeoma, uma professora universitária e com seus primos esclarecidos, pessoas individuais e, ao contrário dela e de seu irmão, pessoas com personalidades próprias, Kambili conhece um estilo de vida completamente diferente do dela. Seu fardo está no fato de que ela gosta do que vê, do que vivencia e com quem vivencia.


O livro apresenta uma mistura de credos nativos e importados, deturpados com a desculpa da purificação da sociedade africana, parte dos efeitos da colonização branca. A situação política e social da Nigéria também é apresentada, como problemas assalariais e pedagógicos da universidade local, censura, greves, falta de recursos e opressão política.

Eu sei que sempre que gosto de um livro digo isso, mas a leitura é CRUCIAL e ATUAL, com letras maiúsculas mesmo. Por mais que o enredo se passe na Nigéria, diante da nossa situação político-religiosa aqui no Brasil, com o presidente e seus ministros tendo falas cada vez mais absurdas, retrógradas e banhadas em autoritarismo religioso, é possível, por exemplo, enxergar um conhecido no comportamento de Eugene.

Além do mais, a cultura nativa nigeriana é apresentada de forma simbólica e rica. Eu amo como nomes, pronomes de tratamento e referências são colocadas nos diálogos. Mesmo que a gente não saiba a pronúncia, reforça a ideia de personagens não-brancos, da realidade não-hollywoondiana que estamos acostumados seja na literatura ou no cinema.

Chimamanda dá um show, como o esperado, neste livro. Li em uma semana e posso dizer, com firmeza, ser um dos meus livros favoritos nos últimos tempos. Assim como o Na Minha Pele, minha vida foi dividida entre dois momentos, antes e depois de Hibisco Roxo.

16 Comentários

  1. Amo conhecer novos escritores, tem muita coisa boa por aí!
    O fato de se passar em um país diferente do nosso me dá ainda mais vontade de ler, é sempre bom conhecer novas culturas!

    The Geek Brazil

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    1. É isso, mesmo, principalmente com a literatura tendo muita coisa sendo ambientada nos EUA ou na Europa. Gosto muito dessa nova lógica de leitura. :) bjs

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  2. adorei sua resenha! eu li Americanah da Chimamanda faz uns 2 anos e desde então quero ler tudo que ela escreveu!

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    1. Obrigada! :) Americanah foi minha última leitura de janeiro, vou fazer resenha logo logo. :)

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  3. Estava caçando escritoras mulheres para ler mes que vem e esse livro me chamou a atenção, vou colocar na listinha la no meu skoob <3

    Beijos,
    Marcela Miranda

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    1. Opaaa, aí sim! Fico feliz em colaborar com as suas leituras, depois me diz o que achou. :) beijos

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  4. Eu nunca li nada dela, mas eu morro de vontade de ler. Sempre que eu procuro os preços, tão super altos e acabo deixando pra próxima e protelando (faço isso com todos os livros com preço salgado). Infelizmente, pobreza.

    Mas quero muito ler algo dela, meu sonho de princesa. Ontem mesmo acabei "Fique comigo", também de uma nigeriana, a Ayobami! Ela é incrível e acho que tu vai amar. ♡

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    1. Eu te entendo perfeitamente. Comprei esse e o "Americanah" numa promoção da amazon, mas queria lê-los há um bom tempo e nunca podia comprar. E, meu Deus, muito obrigada pela indicação, vou procurar com certeza!

      beijos

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  5. Achei interessante que o romance mistura autobiografia e ficção. Muito bom a cultura da Nigéria está presente de forma tão rica no livro

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    1. Oi, Beatriz! Não é bem uma autobiografia, já que a autora apenas cita muitas coisas comuns da Nigéria durante o enredo, mas sim, a cultura é bem rica no livro. :) bjs

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  6. Nunca ouvi falar, mas fiquei bem curiosa p ler

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    1. Fico feliz, Ingrid! Espero que tenha a oportunidade de ler logo. :)

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  7. Muito interessante, sua resenha ficou incrível, adoro livros que falem sobre cultuas, sociedades, crenças, amei!
    www.mundodasmulheresbrasil.com

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  8. Nao conhecia esse livro, mas achei a sua resenha bem interessante

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