Eles se conheciam desde
sempre. Ele era o irmão mais novo do amigo do primo dela, estudava uma série a
menos e era amigo do melhor amigo dela. Logo, não fazia a mínima ideia de
quando o conhecera, só sabia que ele existia. Sempre soubera que ele existia. Era
comum que, quando se encontravam, além dos cumprimentos, um abraço acontecesse
vez ou outra, mas isso não tinha o menor significado, já que ele era assim com
todo mundo. Os amigos dele eram assim com todo mundo. Suas conversas raramente
passavam de coisas triviais e eles sequer demonstravam interesse para que algo
pudesse ser aprofundado.
Eles se cumprimentavam,
abraçavam-se, riam com os outros e iam embora. Era sempre assim e parecia
confortável desse jeito.
Os anos de escola acabaram
e, novamente, eles estavam inseridos na rotina um do outro, dessa vez na
faculdade. No ônibus fretado para levá-los (junto com outros quarenta e seis
estudantes) até a universidade, eles se sentavam relativamente perto, mas nada
que fosse relevante. Na ida, ela costumava ler, ele dormia. Na volta, ele
costumava assistir séries ao lado do irmão, já ela dormia.
Certa vez, por
inconveniência de uma pessoa, ela passou a sentar-se no banco atrás do
habitual, ficando lado a lado do velho conhecido, corredor com corredor. Inicialmente,
nada aconteceu. A rotina de viagem dos dois parecia despretensiosamente
inabalável e, por muitos dias, nada mudou. Até que um dia, por algum motivo
qualquer, ela resolveu não dormir. Em meio a um episódio, ele lhes ofereceu um
biscoito e ela aceitou. Ele ofereceu novamente, faminta como estava, ela quis o
segundo. E o terceiro.
E quando ela perdeu as
contas, um assunto surgiu.
As viagens se tornaram
muito mais divertidas, especialmente as de retorno. Ele sempre tinha um
biscoito e ela sempre tinha fome, logo, era o conjunto perfeito para que ficassem
mais de duas horas conversando sobre coisas que não faziam o menor sentido e
que pareciam extremamente interessante aos olhos dos dois.
Com isso, boatos surgiram.
Muitos perguntavam se eles ficavam ou se já tinha ficado. Ela achava um
absurdo, visto que, ora essa, ele era assim com todo mundo. Não tinha cabimento
aquele tipo de coisa! Além do mais... era ele,
afinal, não fazia o menor sentido.
Quanto mais o tempo
passava, mais as pessoas ao redor deles repetiam que formariam um belo casal,
perguntavam o que estava rolando entre os dois ou os olhava com expressões
suspeitas quando conversavam. Para ela, a resposta era sempre a mesma:
“Não tem nada a ver”.
Em uma situação específica,
logo após tê-lo encontrado em um dos intervalos das aulas na faculdade, um
amigo a perguntou se ele gostava dela. Estranhando a pergunta e exibindo uma
expressão de quem achava aquilo um absurdo, ela respondeu “Claro que não! Por
que você acha isso?!”, o amigo apenas riu e disse “Por nada”.
Os dias se passaram, as
perguntas e boatos permaneciam e ela resolveu ignorar. Afinal, ela tinha plena
ciência de que aquilo era um absurdo. Onde estavam com o a cabeça para
imaginá-los juntos? Até parece! O assunto nem mesmo surgiu entre eles de tão
óbvio que era a não evolução do relacionamento dos dois. Além do mais, eles
discordavam em tudo. Tudo mesmo. Até quando se popularizou a discussão do
vestido, onde alguns enxergavam azul e preto, outros viam branco e dourado,
eles discordavam. Eles concordavam em discordar. Onde que uma relação assim poderia
evoluir e dar certo? Nunca!
Era um dia qualquer da
semana e, novamente, eles conversavam durante a viagem de volta pra casa.
Àquela altura ele já não via tantos episódios ao lado do irmão e seu tempo era
quase todo dedicado à ela (quase porque, não muito raro, ela simplesmente
dormia). O irmão dele, do outro lado, assistia sozinho uma série de seu gosto
e, mesmo que o brilho estivesse no mínimo, a luz se espalhava até a conversa
dos dois.
Enquanto ele falava
animadamente sobre algum filme que seria lançado naquele ano, ela se colocou a
observá-lo. De longe, era notável que ele era o tipo ideal de cara que ela
gostava. Alto, magrinho, usando óculos e de cabelo ondulado. Mas isso era
irrelevante, pensou ela, afinal boa parte dos seus amigos era assim. Enquanto
falava, ele gesticulava levemente (se comparado a ela, que era totalmente
exagerada) e a moça pôde notar que suas mãos eram grandes com dedos finos e
tortinhos, coisa que ela achou uma graça.
Ao fim da fala dele, a
garota fez algum comentário bobo em seu clássico tom esnobe, situação que o fez
rir abertamente. O som da sua risada foi extremamente agradável aos ouvidos da
moça que riu junto apenas para que a gargalhada alheia continuasse e assim
pudesse apreciá-la por mais tempo. Enquanto ria, ele apoiou a testa na poltrona
da frente, negando com a cabeça e, assim, tendo a luz do computador do lado
contrário realçando a silhueta de seu rosto e deixando o maxilar em evidência.
Como ela nunca tinha notado aquele maxilar antes? Em formato de ‘V’, era uma
das características que ela mais notava nos homens, ao lado das amigas, chamava
de “maxilar de anime”, diante da semelhança com os desenhos japoneses.
De repente, as perguntas e
insinuações dos outros passaram a fazer sentido. Por que eles nunca tiveram
nada, mesmo? Nem mesmo o assunto surgiu entre eles, mas por quê? Talvez porque
não tivesse tido oportunidade, mas o que seria essa oportunidade? Era preciso
cria-la? E por que ela estava pensando nisso aleatoriamente e tão
repentinamente?
Ele se voltou para ela,
ainda tendo um sorriso nos lábios e mudou de expressão rapidamente, abrindo
exageradamente os olhos, do jeito que fazem quando ajeitam os óculos sem usar
as mãos. Ela tinha os olhos fixos no rosto dele e o queixo apoiado na mão. Os
grandes olhos castanhos demonstraram confusão e, ao arquear uma sobrancelha,
ele disse:
“O que foi?”
Ela, que só agora se dera
conta de que tivera um longo devaneio sobre ele, sobre eles, num momento completamente inoportuno, mexeu a cabeça como se
afastasse os pensamentos e respondeu:
“Nada. Só viajei aqui”.
2 Comentários
Parabéns pelo post, quando vem a inspiração é bom compartilharmos ne?
ResponderExcluirJá estou te seguindo tb, bjus!!
bomhumornaosaidemoda.blogspot.com
Oi, moça, obrigada! É verdade e, além do mais, quando a inspiração vem é melhor não deixar pra depois HAHAHA
ExcluirObrigada, seja bem-vinda! Beijos