Uma das coisas mais irônicas e tristes da vida é encontrar famílias e/ou pessoas miscigenadas praticando racismo. Atitude impregnada na sociedade brasileira desde a colonização, o racismo implícito, maquiado de uma brincadeira ou até mesmo um elogio, é o que mais dói.
Este racismo está presente em frases como “só podia ser coisa de preto”, “alisa esse cabelo ruim, menina!”, “amanhã é dia de branco”, “eu não sou suas nega”, “invejinha branca”, “você é negro de alma branca” e entre outros. Aparentemente inofensivas, mas mal sabem o peso e a dor que conviver com isso, dia após dia, nos causa.
Quando uma família totalmente miscigenada e racista, por meio de um casamento, se une a outra família negra e pobre, já dá pra imaginar o que acontece. Já dá pra imaginar com o que o fruto dessa união terá que conviver. Já dá pra ter uma pequena noção do tipo de brincadeira e imposições que isso irá causar a pobre criança.
Garanto a você que ser o fruto da união citada acima, não é nada fácil. Garanto que não se aceitar negra desde os primeiros anos de vida é algo completamente doloroso. Conviver com piadas estúpidas sobre o tamanho do nariz e da boca, a cor e formato dos cabelos, a cor e profissão do pai, ofensas acerca da integridade da parte negra da família, comparações com a irmã mais velha de pele branca, não é um mar de rosas. Ser o fruto da relação acima me fez tão racista quanto me foi ensinado. Ser fruto da união citada me fez alisar o cabelo, queimar minhas raízes, negar a minha história.
Este racismo que me foi ensinado, somado ao presente na sociedade e ao machismo diário, fizeram com que eu não me aceitasse e odiasse o corpo que me foi dado pra viver. Eu nunca seria fofa e “cuidável” aos olhos de um rapaz, porque negras exalam em sua simples essência, sexualidade. Eu nunca seria delicada e bonita, porque meus traços não são finos. Eu nunca seria aceita porque meus cabelos, apesar de banhados em química, nunca seriam bonitos e lisos como nos comerciais.
Eu nunca seria bonita porque eu nunca seria branca.
Mas, graças ao gosto pela história, apoio de pessoas da família que abriram seus olhos por também amarem a história, eu percebi que era linda. Percebi que, das pequenas até as mais evidentes coisas em mim que remetiam a negritude, eram o que me faziam única. Percebi que nenhum esteriótipo imposto pela sociedade, principalmente pelos homens, faria com que eu abaixasse a cabeça.
Eu não exalo sexualidade. E posso ser uma pinup, em um misto de sensual e inocente, como qualquer branca pode ser.
Aprendi que o povo negro lutou, desde os primórdios e que luta até hoje. E eu, carregando tantos traços, não deveria negar a minha essência, mesmo em coisas simples. O cabelo voltou a ser cacheado, a boca carnuda é evidenciada. A história negra é estudada e desejada ferozmente. Aprendi que o Brasil é o que é, por conta da sua miscigenação. E que ser fruto disso deve ser orgulho e não motivo para escolher o lado branco.
Meu avô tinha ascendência alemã.
Minha avó de português.
Os avôs paternos de africanos.
Minha mãe tem cabelos lisos, nariz largo e pele escura.
Minha irmã tem boca carnuda, nariz largo, cabelos cacheados, olhos verdes e pele branca.
Eu tenho cachos, uma boca carnuda, nariz largo e uma pele escura.
Nós somos miscigenadas.
Eu sou miscigenada e nunca tive tanto orgulho disso.
Ah, e racismo que veio de berço,
eu joguei fora.
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