A
Princesa e o Sapo
(2009) é o primeiro filme da Disney em que a principal é negra. Meu favorito
(por motivos óbvios) o filme é banhado em polêmica desde a sua estreia e não
recebera tanta atenção quanto deveria, sendo ofuscado por Enrolados, lançado no ano seguinte e sem a tradicional animação,
dando lugar a mais nova animação 3D. A maioria das postagens que já li sobre
este filme estava recheada de críticas na personagem principal e no enredo,
dizendo que a Disney havia feito um papelão com sua primeira princesa negra.
Sendo assim, resolvi trazer a minha “defesa” para com o filme e o porquê de eu,
como negra, me orgulhar tanto desse filme maravilhoso.
Tiana, uma moça humilde, vive na
lendária cidade de Nova Orleans, berço do jazz. A música, as roupas e
acessórios, até mesmo as gírias usadas pelos personagens fazem referência ao
início do jazz, o que nos leva a crer que o longa se passa durante a década de
1920. Sendo assim, o cenário apresentado é de muito antes das lutas de Martin
Luther King Jr. Não teremos um cenário invertido com negros ricos e brancos em
trabalhos de classe baixa, teremos a realidade vivida naquela época. Além de
que, a região de Nova Orleans e suas proximidades eram repletas de comunidades
negras, o que fora crucial para o desenvolvimento do jazz na época. Por isso,
dentre os personagens secundários e figurantes, o que mais se destacam são
negros.
Eudora, mãe de Tiana é uma costureira que
trabalha especialmente para Sr. La Bouff, pai de Charlotte La Bouff, amiga de infância
de Tiana. Referências claras as famílias francesas e africanas que criaram
raízes em Nova Orleans no processo de formação da cidade. Uma amizade
interracional é apresentada ao público através de Charlotte e Tiana. Criadas
juntas, já que Eudora costumava levar a filha para a casa dos La Bouff, as duas
permanecem amigas após crescerem. Apesar de ser uma garota mimada e que tem
tudo o que quer, “Lotte” também é pura no sentido de não desvalorizar ou
humilhar “Titi” pelas diferenças raciais e de classe impostas pela época.
O cabelo
de Tiana fora muito questionado por vários blogs que li. Muitos dizem que,
o cabelo da personagem é “bom” porque a personalidade de Tiana não é tão forte
quanto a de Merida (Valente – 2012), por exemplo. E que Merida possui cachos
volumosos, pois tal cabelo remete a rebeldia da personagem. Visando o cenário,
o contexto e a moda da época, não
haveria sentido algum que a personagem tivesse longos cachos ou um black,
por exemplo (que, deixando claro, eu acho lindo). A moda dos anos 20 era:
cabelos curtos, volume nas pontas e até mesmo, chapéus. Quem já viu seriados e
filmes que se passam na mesma época, já pôde ver que mesmo com cabelos crespos
e cacheados, as mulheres negras da década de 20 arrumavam seus cabelos para
estar na moda das brancas. Moda essa que fora muito bem apresentada por Tiana e
as demais personagens femininas ao longo do filme.
Fotos retiradas do vídeo '100 Years Of Beauty' do canal CutVideo. |
Tiana dedica 100% do seu tempo ao
trabalho, visando juntar dinheiro para abrir o restaurante tão sonhado por ela
e seu pai, que morrera antes de vê-lo pronto. Aqui é apresentada a vida da
maioria dos negros, uma vida de luta. O pai da personagem trabalhava dois, até
três turnos para o sustento da família e não se envergonhava disso. Tiana teve
como exemplo de que quando se quer algo, deve-se lutar para consegui-lo. Seu pai diz para trabalhar duro, mas para não se deixar abater caso algo der
errado. Enquanto ela tiver o que realmente importa, o amor, tudo terá valido a
pena.
Do outro lado da trama, temos Naveen. O
par de Tiana não é um criado, um trabalhador de baixa renda ou um zé ninguém,
mas sim um legítimo príncipe negro,
vindo de um país chamado Maldonia (País criado apenas para o filme. Acredita-se que se trata de um país
euro-asiático, pois “Maldonia” seria uma mistura de Malta e Macedônia). Apesar
de ter tido a mesada cortada como lição para que parasse com a vida boa e
resolvesse trabalhar, Naveen continua sendo de uma família real de sangue. Um
príncipe lindo, carismático e negro.
Além disso, Lawrence, o criado e responsável pelo jovem príncipe, nada mais é
do que branco. Valores invertidos
para época (e até mesmo para os dias de hoje). Inclusive, é a inocência do jovem príncipe e o desejo de vingança de seu criado que se dá a reviravolta do longa.
Mama
Odie também faz suas
referências a cultura e religião africana, trazendo brincos, pulseiras e até
mesmo roupas que remetem as usadas pelas mães-de-santo que temos conhecimento
aqui no Brasil. Até mesmo a cadeira que Mama Odie aparece sentada faz
referência aos trabalhos artesanais feitos pelos africanos. Algumas das
esculturas dos ‘amigos do outro lado’ do Homem das Sombras também fazem
referência ao artesanato africano.
A lição que o filme passa é que nada
deve tomar 100% do seu tempo. No caso de Tiana, ela não deveria pensar sempre
em trabalhar e no caso de Naveen, ele não deveria viver para sempre na farra.
Esses dois contrastes se unem por conta de um deslize do príncipe e, ao tentar ‘ajudá-lo’
(por conta da falsa recompensa que ele oferece) a jovem beija-o para fazê-lo
voltar a sua forma humana e acontece o contrário, Tiana se torna também um
sapo. É durante o convívio na floresta em busca de Mama Odie para reverter o
processo, que o casal se conhece melhor e acaba se apaixonando. Uma das características
que mais me agrada é que, assim como Bella (A Bella e a Fera – 1991), quem
comete o deslize não é a personagem feminina e sim, o homem. Quebrando a ideia
de que a mulher é frágil e indefesa, que precisa de um príncipe para
resgatá-la.
No
mais, o final é um dos mais imprevisíveis que já vi dentre os filmes da Disney.
“A Princesa e o sapo” apresentou inúmeros motivos para que meninas negras
finalmente se sintam princesas no Universo Disney. 85 anos de filmes infantis e
finalmente uma princesa negra, forte, determinada, sem foco único e exclusivo
em um príncipe. Mulher guerreira que anseia sucesso profissional muito antes de
um homem na vida. Que lutou sozinha para chegar onde chegou.
Referências:
The princess and the frog, Walt Disney Studios; Direção e roteiro de Ron Clements e John Musker; EUA - 2009;
Mousewait Disneyland 'Does anyone know the nationality prince naveen is?' disponível em: http://www.mousewait.com/disneyland/talk/235778/Maldonia-doesn%27t-exist-Prince-Naveen%27s-ethnicity-is-supposed
Fotos: Screencaps do filme;
Não retirar sem os devidos créditos.
4 Comentários
Depois de muito ser cobrada, e ameaçada via tweeter, eu finalmente assisti o filme mas só agora deu pra vir comentar. Como li o texto primeiro acabei por poder me atentar mais aos pontos citados do filme e, devo dizer que ficou muito bem pontuado. Disney realmente fez algo bom nesse filme, além de algumas lições estras não citadas aqui que servem pra qualquer garota.
ResponderExcluirAnyway, parabéns pelo texto bolinho.
FINALMENTE, NÉ, QUERIDA? Deu pra ouvir os gritos de aleluia daqui, viu?! :P E ameacei mesmo, aviso que ameaço sempre que for necessário, bjs
ExcluirAh, obrigada! Fico feliz que tenha gostado e que o post tenha te feito se atentar mais vendo o filme, bacana isso! :D E realmente, as lições deixadas por Tiana são inspiradoras, além de ter músicas maravilhosas e um príncipe encantador demais <3
Obrigada, sua velha linda!
Análise riquíssima. Sempre é bom lembrar que, além da magia, a Disney é também uma fonte histórica. Como amante da Disney não pude deixar de me encantar com a sua postagem. :)
ResponderExcluirExatamente! Sempre há ótimas referências da história nos filmes da Disney e como amante da história, eu fico babando em tudo. Sabe, já ouvi e li muita gente dizer que a Disney é racista e super falar mal desse filme, mas eu particularmente amei, mesmo! Do início ao fim!
ExcluirFico feliz que tenha gostado e muito obrigada pelo elogio e pelo seu comentário! <3