Essa fanfic foi baseada na série de televisão Cold Case (Arquivo Morto).
I.
14
de Maio de 1993
- É
complicado... – Disse o rapaz, encarando a parede atrás dela, já que sabia que
não iria conseguir encará-la. As mãos foram levadas até os bolsos de sua calça,
sendo colocadas confortavelmente ali. Virou então o corpo de forma leve, para
que dessa forma a mulher saísse de seu campo de visão. Sabia que ela estava
chorando e seu coração doía por ser a razão de tal choro.
- Complicado? É complicado assumir publicamente o que nós
temos? – Fechou os olhos com força, fazendo com que pesadas lágrimas caíssem
dali. Os braços foram cruzados contra o próprio corpo e seu rosto exibia uma
expressão irritada e ao mesmo tempo indignada com as ações do rapaz. – É assim
tão complicado enfrentar os seus pais, Eddrick? – Encarava as costas do até
então namorado com certo rancor. Novas lágrimas caíam de seus olhos e então uma
das mãos subiu até o próprio rosto, limpando-as brutalmente. Era completamente
apaixonada por ele, mas aquilo que estava acontecendo era demais para ela.
- Alice, você não os conhece... – O rapaz levou ambas as
mãos até os próprios cabelos, bagunçando-os com certa força. A situação do seu
ponto de vista era mais complicada do que Alice imaginava. Virou-se para ela
novamente, segurando-a pelos ombros. – Você não compreende! Eu preciso de
tempo, essas coisas não...
- Quer saber, que se dane. – Retirou as mãos do rapaz de
seu corpo com brutalidade, fazendo-o suspirar pesadamente. O que ele estava
fazendo era o mesmo que negá-la. – Que
fique com eles, então. Essa coisa às escondidas pra mim já deu. – Enxugou
novamente as lágrimas em seu rosto, pegando todos os seus pertences e saindo
dali. O rapaz apenas suspirou pesado mais uma vez, esmurrando a parede mais
próxima. Queria de todo seu coração que Alice entendesse. Amava-a mais do que
ela imaginava, mas assumi-la era algo que precisaria de tempo. Decidiu então
que esfriaria a cabeça para que depois fosse atrás dela.
A garota caminhava aos tropeços, mal enxergando a rua a
sua frente. Não queria que terminasse daquela forma, afinal, era completamente
apaixonada por ele. E seis meses juntos não eram qualquer coisa. Parou,
limpando o rosto mais uma vez e suspirando pesadamente. Pensou em voltar lá e
se desculpar, mas estava certa e não voltaria atrás em sua decisão. Por que ele
não entendia o quão ruim aquele relacionamento ‘por debaixo do pano’ era para
ela? Já tinha preocupações o suficiente e agora seu pai suspeitava de algo.
Enquanto Alice lutava mentalmente consigo mesma, uma figura até então
desconhecida aproximava-se dela. A jovem encarou a tal pessoa com os olhos
arregalados, tentando entender o porquê de estar ali.
- Como você me achou aqui? – Disse ela, engolindo seco.
Piscou os olhos algumas vezes, em sinal de nervosismo.
Poucas horas depois, Alice foi encontrada morta em um beco
sem saída, nas proximidades do local que estava com Eddrick. Atingida no peito
por uma bala de uma arma calibre 38, sendo esta não encontrada. Sem digitais,
sem arma do crime, sem testemunhas. Desta forma, os policiais declararam o caso
como encerrado, alegando ter sido uma tentativa de assalto seguida de
assassinato.
Dias
atuais
Era um dia comum, como qualquer outro. A única diferença
eram os telefones da central da homicídios que insistiam em tocar, fazendo com
que Lily suspirasse e fechasse os olhos por alguns instantes. Trabalhava como
detetive naquele departamento havia algum tempo, mas ultimamente andava cansada
disso tudo. A ‘magia’ de resolver crimes parecia ter acabado. Talvez pelo fato
de a cidade ter sido tomada pelas drogas e seu trabalho virar uma perseguição a
adolescentes drogados. E por isso, pensava delicadamente em pedir aquelas
férias que recusou no ano anterior. Quando finalmente abriu os olhos, deu de
cara com seu parceiro de trabalho, Scotty, encarando-a com diversão nos olhos.
Não que tivesse algo de engraçado, mas era curioso o fato da única mulher
naquele setor estar se cansando do seu trabalho, quando esta era conhecida por
amá-lo com a sua vida.
- O quê? – Perguntou ela, ajeitando-se em sua cadeira,
fazendo com que Scotty se encostasse de leve na mesa da parceira, cruzando os
braços.
- Chegou pra você. Sem remetente. – Scotty brincava com o
pacote nas mãos, porém não demorou muito para que Lily o arrancasse rapidamente
dali, fazendo o rapaz rir baixo.
Sem dizer uma palavra, a moça abriu o envelope com
rapidez, encontrando uma foto de uma garota sentada em um banco qualquer. Virou
a fotografia, encontrando a seguinte frase no verso: “Não foi um assalto”. Lily olhou para Scotty procurando respostas e
o mesmo deu de ombros, fazendo com que a detetive voltasse sua atenção para o
envelope. Lá, encontrou também um pedaço de jornal, no qual mostrava a morte de
uma garota vítima de assalto. Pelo pouco que observou, e por mais que a foto do
jornal estivesse um pouco embaçada, se tratava da mesma garota.
- O que é isso? – Perguntou ela, encarando a foto com
cuidado.
- E eu que sei? – Scotty moveu-se o mínimo para que
também pudesse ver do que se tratava. – Veja, o jornal é de 1993. Por que
alguém iria nos enviar um caso de vinte anos atrás e que já foi fechado? –
Scotty agora encontrava-se ao lado de sua parceira, analisando aqueles dois
pedaços de papel. Olhou de relance para Lily e vendo o brilho em seus olhos,
sorriu. Pelo que parecia, a magia
havia voltado.
- Talvez o boss saiba de alguma coisa. – Antes mesmo que
seu colega pudesse responder, Lily já caminhava em passos rápidos, indo em
direção a sala de seu superior.
- Alice Kyle, eu
me lembro desse caso. – Disse Daniel, encarando ambos os papéis os quais Lily
lhe entregou. – Eu ainda era um estagiário quando isso ocorreu. Mas por que a
pergunta? – O mais velho tirou os óculos de seu rosto, gesto o qual sempre fazia
quando interessado em alguma coisa.
- Enviaram esses papéis hoje mais cedo, endereçados a
Lily. Só não entendemos o motivo, o caso já não foi resolvido? – Scotty recostou-se
sobre um dos armários da sala de seu chefe, cruzando os braços.
- Bem, eu não diria resolvido. – Daniel levantou dali,
colocando ambas as mãos nos bolsos e caminhando devagar pelo recinto. – Não
tínhamos provas ou testemunhas suficientes para continuar o caso. A tentativa
de assalto era a ideia mais plausível para aquele momento, já que o lugar onde
o corpo foi encontrado não era lá dos melhores.
- Boss... – Lily levantou dali rapidamente, fazendo com
que o mais velho parasse de caminhar e Scotty voltasse sua atenção para ela. –
Peço permissão para reabrir esse caso. – Daniel franziu o cenho e Scotty
encarou-a incrédulo.
- Por que o interesse? Aconteceu há vinte anos, não faria
sentido reabrir esse caso agora. – Scotty levantou-se de onde estava indo em
direção da mulher.
- Por que quer reabrir esse caso, Lil? – Perguntou
Daniel, analisando o brilho nos olhos da policial. Lembrou-se de quando aquela
mulher ainda era uma estagiária, recebendo piadinhas e cantadas baratas dos
outros colegas. Tinha orgulho de como Lily havia crescido profissionalmente
ali, e sabia que ela era uma das melhores naquela delegacia.
- Um assassino continua sendo um assassino independente
de quanto tempo tenha se passado desde o crime. Creio que não foi à toa que me
enviaram isso. E tenho certeza que a família dessa garota precisa de respostas.
– Lily disse firme, fazendo com que um sorriso pequeno surgisse nos lábios de
Daniel. Scotty observou a cena um tanto incrédulo, já que para ele era loucura
demais, outras coisas necessitariam de atenção ali.
- Permissão concedida. – Os óculos foram deixados sobre a
mesa e então, Daniel caminhou para fora daquele lugar. – Acho bom descobrir o que aconteceu naquele
dia, Lily. – Lançou um último olhar para a mulher que agora exibia um sorriso
largo e então saiu.
- Você é louca. – Scotty, inconformado com o que acabara
de ver, levou uma das mãos até a nuca, acariciando o local de forma rápida, um
hábito nele.
- Não é a primeira vez que ouço isso. – Piscou de forma
rápida para o parceiro, já iniciando passos para fora dali. – E ande logo, já
que você vai me ajudar a achar a caixa desse caso. – O rapaz suspirou, odiava
entrar naquela sala com inúmeras e inúmeras caixas de casos e mais casos.
- Os
policiais daquela época não poderiam pensar em algo melhor? Aqui diz que nenhum
dos pertences da garota foi levado, o que descarta totalmente a ideia de
assalto. – Disse Lily enquanto lia a ficha daquele caso. Scotty agora estava
sentado sobre o chão, remexendo os outros arquivos daquela caixa. Lily havia
feito ele procurar nos lugares mais
altos e empoeirados daquele lugar. Estava ciente que teria troco depois, mas
não ligava.
-
Veja, nenhuma marca de agressão ou violência. – O rapaz analisava as fotos da
cena do crime e mais alguns papéis do laudo médico. Parou em uma das fotos da
garota, analisando-a rapidamente. – Garota bonita.
- E
jovem! 20 anos de idade. Cursava história na Universidade St. Patrick, melhor
aluna do segundo período. – Pegou mais alguns papéis e os analisou. – O único a
depor foi o namorado na época, Eddrick Avis.
-
Algo de útil? – Perguntou Scotty levantando dali com alguns papéis nas mãos.
-
Estava com ela horas antes do crime, mas ele tinha um álibi. Segundo autópsia a
garota foi morta por volta das 20h, Eddrick foi visto chegando em seu
apartamento às 19h30min. Porteiro do condomínio e dois vizinhos confirmaram
isso. – Lily suspirou. Sabia que seria difícil, mas achava que ao abrir aquela
caixa, algumas respostas viriam.
-
Não custa nada ouvi-lo de novo, vinte anos não é qualquer coisa. – Scotty tirou
a caixa do colo da mulher, ajudando-a a levantar-se dali.
-
Vou procurar esse cara e você verifique os registros e encontre os pais ou
algum parente de Alice. Avise-os que reabrimos o caso e queremos ouvi-los. – O
rapaz assentiu com a cabeça e ambos deixaram o local, indo para suas
determinadas mesas, fazer aquilo que pretendiam.
****
-
Por que reviver essa história agora? – Eddrick, agora com alguns fios brancos e
marcas da idade no rosto, perguntava a Scotty enquanto era levado até a sala
devida para que fosse interrogado. – Já não acham que eu sofri demais?
-
Nos enviaram uma carta, afirmando não ter sido o que alegaram e resolvemos
reabrir. Por favor, conte tudo que se lembrar. – Disse ele ao fechar a porta, e
assim que Eddrick sentou-se ali, Scotty encostou-se a pequena mesa, cruzando os
braços e encarando o homem. Pôde notar um pequeno chapéu especifico em seus
cabelos, muito comum em uma determinada religião.
- Lembro-me
de tudo, infelizmente. – O homem suspirou pesadamente, apoiando ambos os braços
sobre aquela mesa. Enquanto isso, na sala vizinha, Lily estava parada, também
de braços cruzados, observando pelo vidro o depoimento de Eddrick.
-
Como pode ter percebido, eu sou Judeu. Naquela época eu não encarava a vida
como hoje, entende? Cursava administração, para que depois cuidasse dos
negócios do meu pai, e quando fui transferido para a St. Patrick, a conheci. –
Um sorriso pequeno pôde ser visto nos lábios de Eddrick, fazendo-o suspirar.
Os rapazes de administração
conversavam animadamente em frente ao bloco onde estudavam, quando algumas
alunas dos cursos de licenciatura passaram por ali. Eddrick, que conversava com
um dos seus colegas, parou totalmente o assunto, ficando fascinado pela beleza
de uma delas.
- Ei, o que foi? – Disse ela um tanto
rude, fazendo-o acordar de seu transe e rir.
- Nada. – Sorriu ele, aproximando-se
um pouco mais daquela garota. Esta cruzou os braços e rolou os olhos diante
daquela aproximação, fazendo o rapaz imitá-la.
- Que curso você faz? – Perguntou ele, analisando o rosto daquela
garota, como nunca a viu antes?
- História. – Sorriu de forma leve.
Pensou até em não dizer nada e sair dali, mas o que ela teria a perder? Ele era
bonito, alto, e pelo lugar onde estavam deveria cursar administração ou
economia. Só rapazes de bem cursavam aqueles cursos.
- Bloco A, terceiro andar. – Eddrick
sorriu vitorioso pela descoberta e a garota só riu, rolando os olhos. Saber o
local onde uma pessoa estuda é a coisa mais óbvia do mundo, ainda mais se
tratando do bloco de licenciatura, que era bastante conhecido.
A garota então saiu dali como se nada
daquela conversa fosse importante e Eddrick ficou ali parado, tentando entender
porque esta não continuou o assunto. Ele era assim tão estranho? Abriu a boca
para falar mais alguma coisa, porém a garota parou, virando-se levemente para
ele.
- Alice Kyle. Sala 57 de segunda a
quarta. – Mandou uma piscadela para ele, virou-se e saiu ao lado das colegas.
Scotty
sabia que aquilo não era de tanta importância para a investigação, mas também
sabia que era um direito daquele homem. Pelo tom de voz que usara ao falar
dela, era notório que mesmo após vinte anos, ainda a amava. Scotty então se
levantou dali, caminhando devagar por aquela sala pequena, parando ao lado de
um grande espelho – que, é claro, na sala vizinha era apenas um vidro, dando
total visão de Eddrick aos presentes.
-
Conte-me o que aconteceu naquele fatídico dia, Sr. Avis. – Mais uma vez o
detetive cruzou os braços, apoiando-se na parede.
-
Como eu disse, eu sou judeu. E naquela época a religião pra mim era só estar
nos cultos como um bom rapaz ao lado dos meus pais. Como pode perceber pela sua
ficha, Alice era uma garota comum. – Eddrick estava nervoso, reviver aquilo
tudo parecia tortura-lo. O homem sentiu os olhos lacrimejarem e então moveu as
mãos rapidamente, tentando esconder que o que aconteceu naquela noite o
incomodava. – Estávamos juntos há seis
meses, às escondidas, é claro. Naquele dia Alice estava magoada, cansada de ter
que ficar se encontrando em lugares desertos. Ela queria assumir publicamente,
mas eu era covarde demais para enfrentar meus pais e a religião. – Lágrimas já
rolaram de seus olhos, e assim Eddrick levou uma das mãos até o próprio rosto,
na tentativa de reprimi-las. – Ela saiu irritada, gritando que estava tudo
acabado. Decidi que iria atrás dela quando esfriasse a cabeça, minha pior
decisão. Quando a vi novamente, estava dentro de seu caixão.
Scotty
continuou calado, virando o corpo rapidamente e ficando de frente para o enorme
espelho. Encarava seu reflexo um tanto preocupado, mas na verdade, sua intenção
era encarar Lily, que o observava pelo vidro, como a mesma expressão. O
depoimento de Eddrick batia exatamente com o que ele havia dito, vinte anos
antes. Estavam no zero, novamente.
-
Onde vocês se encontravam, Eddrick? Era próximo ao lugar onde ela foi
encontrada? – Disse após alguns segundos, deu um tempo para que o homem se
recuperasse, afinal, não havia sido fácil para ele contar aquilo tudo
novamente.
-
Sim, era. – Eddrick meneou a cabeça, em sinal de positivo. – Duas ruas antes.
Poucas pessoas moravam ali, a maioria era depósitos de fábricas. Raras eram as
pessoas que circulavam ali.
- E
os seus pais? Eles não sabiam de nada, ou desconfiavam? – Scotty arriscou um
palpite.
-
Está insinuando que meu velho pai tocaria em Alice? – Eddrick encarou o
detetive com rancor, mas logo abaixou o olhar. – Meu pai era muito duro, mas
não teria coragem de fazer isso. E além do mais, só ficaram sabendo após a
morte de Alice, quando eu decidi depor.
-
Mas me responda, Sr. Avis... – Scotty sorriu de canto, indo em direção a
cadeira e sentando-se ali novamente. – Por que um lugar tão deserto? Vocês
poderiam se encontrar em um lugar mais seguro, sem serem vistos. – Lily sorriu
ao ouvir aquela pergunta. Era por essa razão e adorava ter Scotty ao seu lado.
-
Naquela época, minha única preocupação era não ser descoberto pelo meu pai.
Achamos que ali, por ser de certa forma perto da universidade estava de bom
tamanho. Alice chegava cedo, um horário calmo. Mesmo que saísse tarde, raras
eram as vezes que ela não saía comigo. – Eddrick suspirou pesado, se sentindo a
pior pessoa do mundo. De certa forma, na concepção dele, a culpa era completamente
sua. Havia falhado em protege-la, ficando em dívida com ela.
- E
por que justamente no dia em que ela saiu completamente irritada dali, foi
justamente o dia em que ela foi assassinada? Suspeito, não acha Sr Avis? – O
detetive levou a mão até o queixo, apoiando o rosto ali. Eddrick olhava para
baixo, e ao ouvir aquilo, sentiu o sangue ferver.
-
Está insinuando que eu faria mal a Alice? Rapaz, você não sabe o que está
dizendo. – O mais velho se levantou irritado, batendo o punho com força naquela
mesa. Scotty riu baixo, e Lily sorriu de canto. Talvez Sr. Avis devesse
explicar o motivo de se irritar tão rápido.
III.
- Eu ainda acho que ele não fez nada. – Lily
comentava enquanto se dirigia até sua mesa, sendo seguida pelo seu parceiro.
- Eu achei aquela atitude
dele um tanto suspeita. Nenhum inocente se irrita tão rápido com uma simples
pergunta. Ainda aposto minhas fichas no Eddrick. – Como era de costume,
encostou-se a mesa de Lily, cruzando os braços e voltando sua atenção para ela.
A moça suspirou, sentando-se em sua cadeira e relaxando ali. Fechou os olhos,
tentando pensar algo que fosse de útil para aquela investigação.
- Não
há nenhum vizinho, nada? Nenhum morador daquela rua ou bairro? – Lily empurrou
alguns papéis de sua mesa, largando-se sobre ela irritada. A sede de resolver
aquele caso só aumentava, porém as formas para fazê-lo só diminuíam. Ouviram a
mãe de Alice, mas nada tão importante que fosse de grande ajuda.
-
Eddrick disse a verdade. Até hoje aquele lugar ainda são só fábricas. Se alguma
pessoa morou ali naquela época, é provável que tenha se mudado. Hoje aquela rua
é um dos principais pontos de drogas da cidade. – Scotty largou os papéis sobre
a mesa, irritado de igual forma. Mesmo que fosse contra a reabertura desse
caso, agora estava contagiado pela mesma sede de Lily, mas as coisas só
pareciam piorar.
- E
o pai dele, alguma informação? – Perguntou Lily e Scotty pegou outros
documentos que estavam sobre a própria mesa.
-
Israel Avis, dono de uma das melhores joalherias da cidade, coisa de judeu. Tem
um álibi. Viajou naquela semana para negócios, chegou apenas em 16 de maio,
dois dias depois do assassinato de Alice. Empresa aérea confirmou. – Largou os
papéis sobre a mesa novamente, e Lily suspirou.
- Faça
uma pesquisa sobre aquele lugar e descubra o morador mais antigo. Se as ruas
eram tão desertas assim, a presença de um casal tão apaixonado quanto Eddrick
alega que eles foram antes da briga, alguém os teria notado. – Lily empurrou os
papéis de volta para o parceiro, fazendo-o rolar os olhos. A mulher riu.
- E
a senhorita folgada, vá em busca de registros da faculdade e encontre alguma
colega da vítima. Não jogue todo seu trabalho pra mim. Lembre-se, a ideia foi
toda e inteiramente sua. – Empurrou a cabeça da mulher de forma leve, fazendo-a
repetir seu gesto e rolar os olhos. Foi a vez de Scotty rir.
-
Tá, tá. – Moveu a mão rapidamente, indicando que o colega deveria sair dali. Ao
que este finalmente saiu, suspirou e pegou o telefone, ligando para a
Universidade St. Patrick, a procura de mais algumas informações.
*****
-
Daniela Castillo. – Scotty adentrou o local com um sorriso vitorioso nos lábios
e alguns papéis nas mãos. A atenção de Lily fora voltada para ele, e esta o
encarava confusa.
- O
quê? – Levantou-se de imediato, indo até o colega e retirando os documentos de
suas mãos, lendo-os rapidamente.
-
Daniela Castillo, a mais velha moradora daquele bairro. Vive ali desde 1986,
morando a apenas cinco casas de distância do local onde Eddrick e Alice se
encontravam. – Scotty levou as mãos até os próprios bolsos, ainda com aquele
sorriso nos lábios. Lily riu da ‘modéstia’ do rapaz, jogando os papéis sobre a
mesa. De fato, era orgulhosa por tê-lo como parceiro, afinal, era bastante
competente.
- E
o que estamos esperando para ir vê-la? – Lily já arrumava algumas coisas em
suas devidas pastas, e Scotty guardava os papéis que a parceira jogara sobre a
mesa.
-
Você pegar seu casaco. – O rapaz virou-se e passou a caminhar para fora dali,
sendo seguido de Lily que ria do parceiro. Pegou o casaco que estava ao lado da
porta junto dos demais casacos dos colegas, e saíram rumo à casa da mais nova
testemunha. Ou pelo menos era o que eles queriam.
Não
demorou muito para que chegassem até o local desejado e Lily observava o local
com cuidado, tentando imaginar como seria ali no ano de 1993. A própria Lily,
naquela época, não se passava de uma criança, com seus onze anos de idade. Nem
pensava em ser o que era hoje. Na verdade, seu sonho de infância era ter uma
fazenda. Como eu era boba, pensava
ela.
- O
que desejam? – Uma senhora com fortes marcas de idade e cabelos não mais da cor
que nasceram, abriu a porta um tanto receosa, sem entender o porquê daquelas
pessoas ali.
-
Olá, sou Scotty Valens e essa é minha parceira, Lily Rush. Somos da homicídios.
– Ambos mostravam seus distintivos, como era de costume sempre que estavam em
trabalho.
- Ai
meu Deus, encontraram o meu neto? – A senhora agora demonstrava uma expressão
triste e surpresa, levando uma das mãos até o peito, assustada.
-
Não, não é nada a ver com o seu neto. – Lily se pronunciou rapidamente,
tentando que a senhora ficasse mais calma. – Estamos aqui por causa de um
assunto antigo. A senhora reconhece essa garota? Alice Kyle, o seu nome. –
Mostrou a foto que recebera dois dias antes. Forçando os olhos, a mais velha
encarou a foto por alguns instantes, sorrindo de forma leve ao se lembrar.
-
Mas é claro, como esquecer a única pessoa que alegrava esse lugar imundo?
Entrem, entrem! Contem-me o que querem saber. – Deu espaço para que os
detetives entrassem, e ambos sorriram preocupados com aquilo. Era ótimo que a
mulher a conhecesse, porém esperavam que fosse algo de útil dessa vez.
-
Essa garota era um anjo. Uma pena o que aconteceu com ela. – A senhora proferiu
no momento em que se sentou, de frente para os detetives.
-
Ela apenas passava por aqui e a cumprimentava, ou conversaram algumas vezes? –
Foi a vez de Scotty perguntar, enquanto Lily pegou o velho bloco de anotações e
sua caneta, afim de guardar o depoimento daquela senhora.
- Oh
não, nós conversávamos bastante. Desde que ela e o namorado começaram a se
encontrar aqui. Muitas foram as tardes que nós três ficamos conversando, era um
casal adorável.
- A
senhora acredita que Eddrick tenha machucado Alice? – Scotty perguntou enquanto
Lily analisava os detalhes daquela casa, encontrando alguns bolinhos sobre a
mesa ao lado da estante.
- É
claro que não, meu jovem. Aquele rapaz era tão apaixonado que chegava a ser
bobo. A última coisa que ele queria era vê-la machucada. – Daniela encarava o
casal com pesar, falar daquele ocorrido lhe deixava triste.
- No
dia que ela faleceu vocês se encontraram? Notou algo de diferente em Alice? –
Foi a vez de Lily se pronunciar, entregando o caderno para que Scotty anotasse,
para que dessa forma sua atenção fosse voltada para a mulher a sua frente.
-
Não, naquele dia não a vi. Porém, mais ou menos uma semana antes eu a encontrei
sim, sem o namorado. Parecia preocupada com alguma coisa.
Daniela estava na calçada de sua casa,
retirando o lixo que estava amontoado em sua garagem. Reclamava da vida, pois
todos os dias era a mesma coisa, aquele lixo que o vento trazia daquelas
fábricas se juntava em sua casa e a mulher não tinha a quem reivindicar. Quando
esta terminou o seu afazer, percebeu uma figura feminina tão conhecida vir em
sua direção. Rapidamente apoiou aquela vassoura próximo ao portão de sua casa,
indo rapidamente de encontro a mais jovem. Quando esta notou sua presença,
sorriu de forma leve, tentando esconder a preocupação em seu rosto.
- Alice, minha querida. – Daniela
levou ambas as mãos até o rosto da mais jovem, acariciando de forma leve suas
bochechas.
- Olá, senhora Daniela. – Disse a
moça, sem o ânimo que a mais velha esperava receber. A senhora encarou-a um
pouco pensativa e então levou ambas as mãos agora de encontro a uma das mãos da
garota.
- O que houve, minha querida? Você e
Eddrick estão com problemas? – Passou a caminhar para dentro de sua casa, sendo
acompanhada pela moça, que não protestou.
-Não não, Eddrick e eu estamos ótimos!
– Ela sorriu só de pronunciar o nome do namorado. – São outros problemas, um
outro rapaz apareceu.
- Oh não, você está confusa em relação
ao que sente? – Encarou a mais nova preocupada e esta apenas riu baixo, mas
Daniela esperava um pouco mais de ânimo naquela risada.
- Claro que não, Daniela! Que bobagem.
– Alice se sentou no largo e simples sofá daquela senhora, sendo acompanhada da
dona da casa. – É o rapaz que está interessado em mim. Já deixei bem claro que
não quero nada com ele, mas John insiste em vir atrás de mim. – A garota
suspirou e Daniela passou a acariciar sua mão novamente.
- Ora, fique tranquila minha querida!
Isso vai passar logo. – Sorriu para ela, e logo aquela conversa foi encerrada,
pois Eddrick estava na porta, e logo se juntou em um papo animado com as duas
mulheres.
-
John? – Perguntou Scotty, virando o rosto para encarar Lily, o brilho em seus
olhos estava mais forte do que antes. Finalmente algo estava surgindo.
- É
a única coisa que eu sei meu rapaz. Devo dizer que quando soube do que aconteceu
com ela, pensei que esse garoto teria algo a ver. – A velha senhora suspirou,
unindo as próprias mãos sobre seu colo. – Mas os policiais disseram que foi um
assalto, e esse lugar sempre foi perigoso o suficiente. Então despreocupei.
- A
senhora não tem nenhum sobrenome? – Perguntou Scotty, recebendo um menear em
sinal de negativo como resposta.
- Obrigada pelo seu depoimento, senhora
Castillo. – Todos naquela sala se levantaram, e os detetives apertaram a mão da
velha senhora.
-
Espero ter ajudado, e se caso descobrirem o que realmente aconteceu, por favor,
me avisem. – Ambos sorriram de forma leve para ela, deixando aquele local.
-
Ligue para o Vera e mande-o contatar Eddrick e descobrir se existia uma relação
entre ele e esse John. – Disse Lily, já retirando seu celular e discando um
número bastante conhecido. Vera era um de seus colegas de trabalho o qual
sempre era ‘alugado’ pela dupla.
- E
você, para quem está ligando? – Scotty encarava a mulher com diversão nos
olhos. Mesmo que estivesse acostumado, sempre se surpreendia com a vontade de
resolver tudo logo que ela tinha. Principalmente quando algo novo acontecia.
- Melanie
Fox, melhor amiga de Alice. Parece que o depoimento de sua mãe serviu para
alguma coisa. Se esse John estava na cola dela, é óbvio que sua amiga saberia.
– Sorriu para o colega e, falando ao telefone, ambos seguiram até o carro.
IV.
-
Nenhum John na lista de conhecidos do Eddrick. – Vera adentrou a sala, fazendo
Lily suspirar ao ouvir suas palavras. – Na faculdade existiam zilhões de John’s
naquele ano. Preciso de um sobrenome. – O homem baixo deu de ombros, deixando
aquele lugar.
-
Conseguiu falar com a tal Melanie? – Scotty analisava mais fotos de Alice, se a
conhecesse e tivesse idade suficiente, com certeza teria chegado nela. Entretanto,
era apenas um garoto quando aquelas fotos foram tiradas. E hoje, ela não existe
mais.
-
Consegui. E estou aqui esperando ela dar as caras. Só espero que ela apareça. –
Lily rolou os olhos, jogando-se sobre sua cadeira e cruzando os braços. Aquilo
já estava ficando chato. Por que as coisas não podiam acontecer na hora que ela
queria? Aquela demora estava matando-a por dentro.
-
Então acho que ela te ouviu. – Scotty usou do queixo para apontar uma mulher de
no máximo 39 anos, adentrando aquele lugar. Lily rapidamente levantou de onde
estava, ajeitando-se e indo em sua direção.
-
Melanie Fox? – Perguntou ela apenas por formalidade, estendendo a mão para a
mulher. Esta sorriu.
-
Lily Rush, certo? – Retribuiu o sorriso, apertando a mão da detetive que acenou
com a cabeça em sinal de positivo. – Fiquei espantada quando você me avisou que
voltaram a investigar o caso da Alice. – Sorriu fraco, abaixando a cabeça.
Tanto tempo havia se passado, e parecia que havia sido ontem.
-
Vamos fazer algumas perguntas, responda tudo que se lembrar, tudo bem? – Foi a
vez de Melanie menear a cabeça em positivo. Sendo assim, Lily guiou sua
testemunha até a sala de interrogatório, seguindo-a. Scotty se dirigiu até a
sala vizinha, onde era a sua vez, ao lado de seu chefe, de observar aquele
depoimento. Ao chegarem lá, Melanie sentou-se, sendo seguida por Lily, que se
sentou em sua frente.
- O
quão amiga você e Alice Kyle eram? – A detetive apoiou os braços sobre a mesa,
encarando a mulher ali presente com seriedade.
-
Inseparáveis. – Melanie apoiou ambas as mãos sobre a mesa, unindo-as ali.
Abaixou a cabeça e pensou alguns segundos, suspirou. – Alice me contava tudo
que acontecia com ela. E eu sempre guardei seus relatos.
-
Alguma vez ela mencionou um rapaz chamado John? – Lily foi direta e a mulher
arregalou os olhos, apertando os próprios dedos, Lily sorriu de canto. –
Sabemos que ele estava interessado nela, mas ela não queria nada com ele. O que
você sabe sobre isso, Melanie Fox? – A mulher engoliu seco, fazendo com que os
olhos da detetive brilhassem, algo sairia dali.
-
John Coleman sempre fora apaixonado por Alice. Desde o 1º período da faculdade.
Estudava Letras, dois andares acima do nosso. Sempre foi gentil com ela, jogava
indiretas e tudo mais, porém ela nada correspondia. Não era de se esperar que
ele se apaixonasse, Alice era linda. Alta, cabelos ondulados e um sorriso
maravilhoso. – Melanie parou novamente, a imagem da melhor amiga veio a sua
mente, seus olhos lacrimejaram. – No inicio do segundo período, Eddrick foi
transferido para a nossa faculdade e não demorou muito para que ele e Alice
começassem a sair.
-
Qual foi a reação de John? Vocês eram próximos? – Lily agora ajeitou-se melhor
naquela cadeira, o assunto estava ficando cada vez mais interessante.
-
Ele ficou furioso. Espalhava para todo o bloco de licenciatura que Alice ainda
seria dele. Mas nós não éramos próximos, ele só vivia no pé de Alice.
-
Alguma vez você o viu ameaçando sua amiga? – A detetive notou que as mãos de
sua testemunha suavam. Mais uma vez, seus olhos brilharam.
-
Ver, eu não vi. Mas ela me contou uma coisa estranha dias antes de ser
assassinada.
- Mel, eu não sei mais o que fazer. –
Alice usou um tom baixo, já que estavam na biblioteca e os demais presentes
poderiam reclamar do barulho.
- Alice, o que está acontecendo? Você
está pálida. – Melanie levou uma das mãos até a mão da amiga, segurando-a por
ali na tentativa de acalmá-la.
- John! – A garota fechou os olhos com
força, demorando um pouco para abri-los. – Essa semana tive a impressão que ele
me seguiu até em casa, e não foi só uma vez. – A garota suspirou pesadamente, o
que fez sua amiga apertar sua mão de forma leve.
- Alice, você deveria falar aos seus
pais, esse garoto é estranho, e além do mais...
- Está louca? Eles me obrigariam a
mudar de universidade, e eu não quero isso. – A garota puxou um pouco mais a
amiga para perto de si, abraçando-a como fosse possível, já que estavam
sentadas em cadeiras separadas. – Eu estou com medo, Mel. – Pelo voz rouca,
Melanie sabia que a amiga estava chorando. Resolveu então que nada diria, não
sabia o que falar. Passou os braços pelo corpo da amiga, tentando consolá-la.
Não demorou muito para que ela se acalmasse, e seguissem para as aulas que
ainda teriam naquele dia. Na semana seguinte iniciariam as atividades pontuadas
e Alice não teve tempo de conversar com a amiga de novo.
- E
é só isso que eu sei. – Melanie suspirou e Lily sorriu. Sabia que aquilo
resultaria em algo interessante.
-
Obrigada pelo seu depoimento, Senhora Fox. – Ambas levantaram-se dali, e Lily a
guiou até fora daquela sala, logo, guiando-a para fora também daquele
departamento. – Não se preocupe te deixarei informada de tudo.
-
Fico eternamente grata, detetive Rush. Alice era muito importante pra mim. – A
mulher sorriu para a Lily, deixando o local. Detetive Rush sorria confiante e
correu até a sala de Vera, adentrando o local com rapidez, assustando-o.
-
John Coleman, estudante de Letras, turma de 1993/1. Agora você tem um
sobrenome. – Piscou para o colega, fazendo-o rir, não só por sua atitude, mas
também pelo susto que havia tomado.
******
- E
então? – Scotty chegava com seis copos de café, um tanto cansado de ter andado
toda a quadra a procura do café que ficasse ao gosto de Lily. Tentava agradar a
colega, já que admirava muito o seu trabalho.
-
Vera ficou de verificar o registro de John Coleman no sistema. Pela descrição
de Melanie, é possível que este tenha passagem pela polícia. – A mulher
levantou uma das mãos, guiando-as até a bandeja de cafés. Olhou para o colega,
e este apontou para o último da primeira fileira, fazendo-a pegar seu copo
rapidamente.
- E
o que você está fazendo? Tá de bobeira fazendo nada? – Perguntou já rindo,
sabia que a colega iria encará-lo com cara feia, já que ela odiava ficar ‘de
bobeira’.
- É
claro que não. – Olhou para ele séria, fazendo o rir ainda mais. – Estava analisando o depoimento da mãe de
Alice. Ela mencionou John e nós não notamos. – Bebericou um pouco do seu café,
colocando o copo sobre a mesa. – Veja isso: “Ela andava preocupada com alguma coisa e certa vez um amigo dela veio
até aqui. Alice o encarou assustada e quando perguntei se gostaria de entrar,
ela disse que o mesmo já estava de saída.” Como deixamos isso passar?
Provavelmente ele estava seguindo-a e aproveitou para tentar a confiança da mãe
dela. – Encarou o colega inconformada, não acreditando que aquilo passou
despercebido.
- De
qualquer forma, se tivéssemos notado isso, não daria em nada, porque não
teríamos o nome. – Scotty colocou seu café sobre a mesa de igual forma, levando
uma das mãos até o ombro de Lily, apertando-o de forma leve. – Relaxa, Lil.
Estamos chegando ao fim deste caso.
-
Espero que esteja certo. – Suspirou a detetive, levando a mão para onde a mão
de Scotty estava, dando leve tapinhas ali.
-
Good News, my darlings. – Vera adentrou o local segurando alguns documentos,
fazendo os colegas rirem da forma que falou.
-
Sabia que você sempre parece gay quando chega falando seu inglês extremamente
fluente? – Scotty alfinetou, recebendo uma caneta como resposta. – Ai, seu
maluco.
-
Cala a boca, Valens. – Vera rolou os olhos, fazendo com que Lily risse ainda
mais. – Mas olhem. Verifiquei John Coleman na lista da polícia. – Jogou os
papéis sobre a mesa, para que a dupla analisasse. – Preso em ’95 por atirar em
um delinquente que invadiu sua casa. E adivinhem qual era a arma? – Sorriu
vitorioso pela sua descoberta.
-
Calibre 38. – Disseram Scotty e Lily em um uníssono, sorrindo juntos ao
terminar de falar.
-
Apreenderam a arma? – A mulher levantou de onde estava sentada, largando seu copo de café ainda pela metade sobre sua
mesa.
- Ai
que está o problema. Antes que a polícia fizesse a apreensão, John deu fim a
sua arma. Por sorte, o garoto era tão ruim quanto ele, e reconheceu o modelo da arma de longe. – Disse Vera,
puxando um dos cafés da bandeja que Scotty havia comprado. O rapaz pensou em
reclamar, mas sempre comprava sobrando, então não se importou.
-
Então ainda temos chance? – Lily encarou Vera com os olhos brilhando e este
apenas bebericou seu café.
-
Você sabe muito bem o que fazer, se é que me entendeu, Rush. – O colega piscou
de leve para ela, fazendo-a rir.
V.
-
John Coleman. – Lily fez questão de interroga-lo, só que Scotty também o
queria. Dessa forma, ambos estavam naquela minúscula sala, e Daniel e Vera
observavam através do vidro.
- Eu
não fiz mal a Alice. – A aparência daquele homem poderia ter sido melhor. Os
cabelos já não existiam e cicatrizes dominavam seu rosto. Lily rolou os olhos.
-
Não é o que tudo indica. – Cruzou os braços e relaxou na cadeira a qual estava
sentada. Scotty se aproximou dos dois, sentando-se de lado sobre a mesa,
próximo a Lily.
- O
que você estava fazendo naquela noite, John? – O detetive cruzou os braços.
- Em
casa. – Respondeu movendo as mãos com nervosismo sobre a mesa, fazendo ambos os
detetives rolarem os olhos.
-
Com quem? Seus pais? – Scotty usou um tom de deboche e o suspeito meneou a
cabeça em positivo.
- E
onde eles estão agora? Não me diga que mortos? – Foi a vez de Lily usar o tom
de deboche.
-
Meu pai sim. Minha mãe ainda está viva, posso ligar para ela vir depor aqui, se
quiserem.
-
Sabe John, usar os pais para confirmar um álibi não é algo muito convincente.
Afinal, os pais sempre defendem suas crias. – Lily ainda estava relaxada em sua
cadeira, e o nervosismo de John Coleman só aumentava. A detetive ajeitou-se
sobre a cadeira, aproximando-se um pouco mais do suspeito, encarando-o com
intensidade.
-
John, lembra-se daquele delinquente que invadiu sua casa em ’95? Nós o
encontramos... – Scotty não se deu ao trabalho de olhar para a colega, apenas
sorriu. Sabia que aquilo era um blefe, e Lily era ótima blefando. John ficou
ainda mais nervoso e levou ambas as mãos até a cabeça, suspirando pesadamente.
-
Estamos com aquela bala aqui. Interessante como as pessoas gostam de guardar
essas coisas, sabe. – Scotty continuou naquele blefe, aproximando-se um pouco
mais do suspeito. – Podemos muito bem compará-la a bala que atingiu Alice, em
‘93. E acredite, essa bala ainda esta aqui.
-
Então você tem duas opções: Ou você nos conta o que realmente aconteceu naquele
dia, ou você espera aqui sentadinho a gente comparar as balas e descobrir se as
duas saíram do mesmo revolver. – Lily cruzou os braços, ainda encarando John
com aquele brilho intenso nos olhos. O suspeito suspirou, mexendo as mãos que
provavelmente suavam. Já havia sido preso, mas não sabia que policiais
guardavam essas coisas. Talvez fosse realmente a hora de tirar aquele peso de
suas costas.
- Eu
nunca faria mal a Alice pela minha própria vontade.
John usava um grande casaco o qual
cobria boa parte de seu rosto. Precisava que ninguém daquele lugar o
reconhecesse para o que iria fazer. Não seria nada demais, apenas um susto para
que aquele idiota do Eddrick deixasse seu caminho livre até Alice. Entretanto,
antes mesmo de chegar ao local que iria, sua amada caminhava em sua direção com
uma expressão triste e irritada no rosto. Rapidamente caminhou até ela, na
tentativa de acalmá-la.
- Alice, o que aconteceu? O que aquele
idiota fez com você? – Parou em sua frente abaixando um pouco o capuz para que
ela o reconhecesse. Era torturante olhar para aqueles olhos e vê-los tão
tristes.
- Como você me achou aqui? – A garota
engoliu seco, piscando os olhos algumas vezes, em sinal de nervosismo. Naquele
momento desejava nunca ter saído de perto de Eddrick. Sentia que aquela
conversa não iria acabar bem. – John, pare com isso. Pare de me seguir, isso
não é legal. – Desviou-se dele, tentando continuar o caminho até sua casa.
- Alice, volte aqui e me diga o que
aconteceu. Por que você está chorando? O que ele fez? Eu já te disse, ele não é
o cara certo pra você. – Continuou indo atrás daquela garota e esta rolou os
olhos, irritada.
- John, não estou afim de conversar
hoje. Eddrick não é tudo isso que você fala, ele é bem melhor que você. – Antes
mesmo que pudesse pensar no que dizer, as palavras saíram de sua boca. Engoliu
seco novamente, não deveria ter dito aquilo. Não sabia do que aquele garoto
seria capaz. Já o rapaz, não podia acreditar naquilo que ouviu. Ela disse
aquilo mesmo? Eddrick idiota Avis poderia ser melhor do que ele? Ela só poderia
estar sonhando.
- Melhor do que eu? Ele chega do nada,
te diz algumas boberinhas e você diz que ele é melhor do que eu? – Apressou o
passo, segurando-a pelo braço. Por seu casaco ser grande, suas mãos não tocaram
a pele de Alice, sendo impedida pelo tecido que o cobria. – Eu estava te
conquistando desde a primeira vez que te vi e você fala que ele é melhor do que
eu?
- John, me solta. – O medo já tomava
conta da jovem e encarava o rapaz com mais lágrimas nos olhos. Seu único desejo
naquele momento era que Eddrick aparecesse ali, correndo como sempre fazia
quando brigavam. Mas por que ele não aparecia? – Não era isso que eu queria dizer, eu...
- Repita. Fala de novo que ele é
melhor do que eu. – Com a mão livre, o garoto puxou a arma que estava no bolso,
fazendo a garota arregalar os olhos. Como esta nada disse, o rapaz passou a
caminhar para um lugar mais deserto, levando a garota consigo. Ao chegar a um
beco sem saída, empurrou a garota com força, fazendo com que esta quase caísse.
- John, se acalme. Me deixa ir pra
casa, amanhã a gente conversa, abaixa essa arma, por favor. – A garota já
chorava novamente, clamando para que o garoto se acalmasse. O garoto riu
completamente sem ânimo. A raiva que sentia era tão grande que chegava a ser
engraçada. Apesar de estar com outro, ele não esperava que Alice, sua amada,
disse na sua cara que aquele homem era melhor do que ele.
- Como uma pessoa pode ser tão ingrata
a esse ponto, ein Alice? Eu sempre estive lá, do seu lado. Esse idiotinha
chegou do nada e você já foi toda pra ele. Ele nem te assume publicamente e
você ainda chora por ele. – Uma das mãos passou sobre seus cabelos, com raiva.
A outra ainda segurava a arma, estendida na direção da garota.
- John, eu não...
- Fale que me ama. – Disse por fim. Se
ela não seria dele, que ao menos ele tivesse o direito de ouvir aquilo que
sempre quis. A arma continuava apontada para ela, apenas para amedrontá-la. Do
fundo de seu coração, ele nunca machucaria Alice.
- O quê? – Enxugou as lágrimas
rapidamente, encarando-o confusa. Naquele momento ela teve certeza de que ele
era louco. E se soubesse daquilo mais cedo teria evitado até o mais inocente
dos “bom dias” que dera para ele.
- Fala que me ama e eu livro a tua
cara, anda. – Mexeu a arma em sua direção, e assustada, a garota fechou os
olhos. Pensava onde Eddrick estava naquele momento. Ele sempre voltava, não
voltava? Ou aquela briga tinha sido tão intensa que ele agora não a queria
mais? Burra, se não fosse tão egoísta, estaria ao lado dele, agora.
- John, se acalma, é melhor...
- Fala que me ama, sua ingrata. EU
SEMPRE ESTIVE LÁ PRA VOCÊ.- Gritou, fazendo a garota se arrepiar de tanto medo
que sentia. – Agora é a sua vez de retribuir.
- John... Por favor...
- FALA QUE ME AMA, ALICE. – Ele tinha esse direito, não tinha? Eddrick já
a tinha, por longos e insuportáveis seis meses, Eddrick já a tinha. Por que ele
agora não podia ao menos ouvi-la dizer aquilo? Mesmo que fossem falsas, ele só
queria aquelas palavras saindo da boca de Alice. No impulso, irritado da forma
que estava, John teve um leve descuido e o gatilho daquela arma foi apertado.
Uma última lágrima rolou dos olhos de Alice e naquele momento a garota caiu ao
chão. Sem vida.
Assustado com o que acabara de fazer,
John largou a arma ao chão, caindo ajoelhado ao lado de Alice. Encarou o corpo
de sua amada sem acreditar no que acabara de fazer. Gritou seu nome algumas
vezes, não obtendo resposta. Tão assustado quanto antes, recolheu a arma que
havia jogado ali, colocando-a dentro do bolso. Ajeitou o enorme casaco sobre o
próprio corpo e saiu dali, às pressas. Deixando a pessoa que ele alegava amar
mais que a sua própria vida, perecer sozinha.
Lily
largou-se naquela cadeira, não acreditando que finalmente ouvira aquilo que
queria. Scotty encarou a colega, sorrindo de canto. Sabia que o mérito era todo
dela. Ninguém batalhou tanto quanto ela, e nada daquele interrogatório teria
dado certo sem o seu blefe. A mulher levantou daquela cadeira, virando-se para
o grande espelho e sorriu. Daniel sorria do outro lado da sala, encarando Lily
através do vidro com orgulho. No momento que ouviu aquele pedido para
reabertura do caso, sabia que a mulher conseguiria. Scotty saiu daquele lugar,
levando John algemado para fora dali. Lily foi em direção ao telefone, contatar
a família de Alice, quem havia tirando-a de suas vidas.
Era um dia comum, como todos os outros. A
única diferença era a satisfação e realização presentes em Lily e Scotty. Nunca
passou por suas mentes que resolver um caso de vinte anos atrás os deixariam
tão completos. Era com satisfação que Lily escrevia a palavra “Fechado” na
caixa do caso de Alice. Entregou esta para Scotty para que a colocasse dentre
os outros inúmeros casos já resolvidos ali. Sorrindo um para o outro, deixaram
aquele local.
Não
muito longe dali, na casa onde um dia Alice viveu, sua mãe, mesmo que estivesse
chorando, agora podia viver o resto dos seus dias em paz. Nunca acreditou que
realmente tivesse sido um assalto, e não queria acreditar que Eddrick tivesse
algo a ver com isso. Por mais que não o tenha conhecido, pelo sorriso que sua
filha exibia ao falar dele, sabia que era um bom rapaz. Não demorou muito para
que a campainha tocasse, e a velha senhora seguisse para abrir a porta, encontrando
um Eddrick envergonhado ali. Quando este disse quem era, a mulher o encarou e
imaginou o quão belo este não seria em sua juventude. Sorriu, sua filha
realmente foi uma garota de sorte.
Convidou-o
para que entrasse, e este já adentrou o local se desculpando pelo que, segundo
ele, havia sido sua culpa. A jovem senhora negou com a cabeça e repousou uma
das mãos em seu ombro. Disse aquele jovem rapaz que aquilo aconteceu porque
deveria acontecer. Eles eram jovens, e dúvidas sempre apareciam, que ele não
devia se preocupar com isso. O importante, é que agora, Alice Kyle poderia
descansar em paz. Ambos sorriram, e a jovem senhora seguiu até a cozinha, para
buscar bolinhos. Eddrick olhou rapidamente para o sofá e teve a impressão de
tê-la visto. Sentada e concentrada em seus estudos, tão aplicada quanto era.
Seu sorriso se alargou e uma pequena lágrima escorreu de seu rosto.
Eddrick
tinha uma dívida com Alice, não pôde cuidar dela como havia prometido, mas
agora, ele poderia tentar cumprir pelo menos a metade. Cuidaria de sua mãe. Seu
pai já havia falecido, e Alice era filha única. Eddrick, agora sabia como
consertar as coisas ao seu modo. Estaria ali para o que aquela senhora
precisasse. E ele sabia, que se Alice estivesse ali naquele momento, estaria orgulhosa
dele. E provavelmente sorrindo, o sorriso que ele tanto adorava.
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